terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O GATO QUE GOSTAVA DE ÁGUA!

O Vasco e o João dividiam um apartamento a meias em Lisboa. Andavam a estudar e passavam o dia praticamente todo fora de casa. Regressavam à noite para preparar os comes e bebes para o jantar e muitas das vezes saíam à noite para estudar com colegas ou para se divertirem.

Dividiam a meias também as despesas de água. luz, gás, internet... essas coisas! Ah, e também tinham um gato... que passava o dia todo em casa recostado nos seus cantos favoritos!

Um dia, o Vasco e o João começaram a reparar nas contas exorbitantes de água. Como se houvesse um vazamento num qualquer cano - quando saíam de manhã tomavam nota do número registado no contador da água, quando regressavam à noite constatavam que haviam gasto muitos e muitos litros de água mesmo... sem estarem em casa! Isto repetiu-se durante vários dias, mas eles não descobriram nenhum cano ou torneira a pingar por onde pudesse sair a água!

Mais tarde, um deles ficou doente e teve que ficar em casa. Mal o outro saiu, e ainda ensonado, começou a ouvir despejar repetidamente o autoclismo! Estranhou! Mesmo com febre levantou-se e foi ver o que se passava, não fossem almas do outro mundo terem invadido a casa-de-banho deles! Ficou estupefacto com o que viu: o gato saltara para cima do autoclismo e entretinha-se a carregar no manípulo sempre que o autoclismo estava cheio... estava descoberto o enigma de tanto desperdício de água!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

NUM PAÍS CHAMADO SIMONE!















A história dela confunde-se com as histórias de muitas e muitas mulheres, a história dela dos últimos 50 anos confunde-se um bocado com a própria história de Portugal nas últimas décadas. Ela atravessou diversos períodos, a nível pessoal e profissional. Ela deixou marcas sólidas. Ela cantou os melhores poetas. Ela elevou a sua voz ao mais alto nível. Ela cantou tangos ribeirinhos, desfolhadas e palavras gastas. Ela é «mulher adulta... viveu de saudade... é mulher e mãe... seu nome é verdade... deu cantos aqui... num hino profundo... que é um canto dela própria...».

Nesta noite ela teve por companhia Anabela, Lara Li, Pedro Moutinho, Pedro Abrunhosa, Camané, Lúcia Moniz, Madalena Iglésias, Vítor de Sousa e tantos outros em palco... porque na plateia teve o Presidente da República, Fernando Tordo, Carlos do Carmo, Artur Garcia, António Calvário, Alexandra, António Sala, Mário Martins e tantos, tantos outros, talvez a maior quantidade de artistas por metro quadrado jamais vista!

Ela é e será sempre...
SIMONE DE OLIVEIRA!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

ESTE PAÍS (TAMBÉM) NÃO É PARA VELHOS!

Havia um país onde os velhos sempre foram feios. Havia um país onde os velhos tinham a pele das mãos calejadas, onde os homens velhos tinham barrigas proeminentes e as mulheres velhas escondiam o cabelo num carrapito.

Havia um país onde o sorriso dos velhos - o enigma era saber como podiam sorrir! - não mostravam dentes ou mostravam apenas o que deles restava. Havia um país onde os velhos só se vestiam de preto ou de cores muito escuras.

Havia um país onde os velhos eram tolerados pelas famílias, pela sociedade e pelos governos. Havia um país onde os velhos eram despejados em lares e morriam sozinhos nos hospitais. Havia um país onde ser velho era muito, mas muito triste...

Eu sei que esse país ainda existe! Mas não me lembro do nome desse país! Será que alguém se lembra e me pode ajudar???

sábado, 23 de fevereiro de 2008

O CHARME DE MONSIEUR CHARLES AZNAVOUR

Num Pavilhão Atlântico completamente cheio - apenas descortinei 1 lugar vago - um puto de 83 anos passeou charme e energia pelo palco, cantando, dançando, correndo, saltando... Num dos melhores espectáculos que vi até hoje! Oportunidade única também para ver e ouvir um dos maiores nomes da música mundial.

Monsieur Charles Aznavour é arménio mas desde muito novo foi viver para França onde fez uma carreira brilhante. Editou centenas de temas, especialmente em francês e em inglês. A canção «SHE», que muita gente atribui a Elvis Costello é de Charles Aznavour.

A minha história de hoje é dedicada ao Senhor de Charme que me contemplou - a mim e a mais uns milhares - com um repertório soberbo de canções... e de vida!

VIVA A CANÇÃO FRANCESA!!!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

CAMINHOS CRUZADOS!

Ela tinha saído para ir trabalhar, pegara no automóvel como fazia todas as manhãs, dava um beijo nos filhos e outro no marido, nas manhãs em que ele estava em casa - por acaso nessa manhã não estava, pois era o dia de serviço no hospital - e seguia para um percurso habitual, que ela conhecia bem. O tempo estava bom, o amanhecer chegou de mansinho com o Sol a mostrar-se no horizonte.

Mas algo correu mal nessa manhã ensolarada. Aquilo que geralmente se pensa acontecer só aos outros aconteceu a ela: um fugir de estrada, um despiste, um acidente... ambulâncias, sirenes... ela chegou ao hospital quase sem saber que lá tinha chegado... as portas abriam-se de par em par e a maca serpenteava pelos corredores do hospital em direcção à sala de operações... os segundos podiam valer-lhe a Vida!

Ele passara a noite fora, estava de serviço, de tantos em tantos dias calhava-lhe 24 horas seguidas de banco. A noite tinha sido exaustiva, com muitos acidentes graves, muitos estropiados, muito sangue, muitos membros fora do sítio... que ele tivera que tentar colocar no sítio certo como cirurgião que era... havia noites complicadas mas ele não se lembrava de nenhuma tão complicada como aquela!

Ao amanhecer, respirou um bocadinho, eram quase 8 da manhã, sairia de serviço para dar lugar a outro colega. Àquela hora também já não era previsível algum acidente de monta. Já retirava as luvas quando ouviu uma grande gritaria... quase que se livrava de mais uma operação de urgência, mas a sua hora de saída ainda não chegara, mesmo cansado teve que voltar a equipar-se rapidamente... ao perguntar o que acontecera quando uma maca entrou de rompante na sala de operações os paramédicos gritaram: «uma mulher que se despistou e teve um acidente muito grave...»

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O COLECCIONADOR DE ARTE!


Ele era um apreciador da (boa) arte! Todas as noites tinha um quadro novo para mostrar aos amigos. Mas quadros de pintores famosos, famosíssimos. Às vezes eram esculturas de escultores muito conhecidos. Aquilo que os amigos estranhavam era que os quadros e as esculturas que estavam uma noite na sua sala na noite seguinte já lá não estavam.

Ele dizia que gostava de renovar todos os dias as suas obras de arte e que precisava de ficar a admirar uma de cada vez, pois só assim se embrenhava na obra do autor. Os amigos estranhavam mas como o tinham como um pouco louco não ligavam!

E todas as noites ele tinha a casa cheia de gente, pronta a admirar e a idolatrar cada obra que ele decidia expor na parede da sua sala. E falavam sobre cada obra, doutas opiniões de não menos doutas personagens da cultura e da intelectualidade vigente!

Mas um dia os amigos ficaram plantados à porta de sua casa! Ele não apareceu! Esperaram, esperaram, ligaram para o telemóvel, espreitaram pelas vidraças, mas nada! Era a primeira vez em muitos meses que ele não aparecia! Os amigos ficaram preocupados: estaria doente, teria tido um acidente?

Descobriram algum tempo depois nas primeiras páginas dos jornais: guarda de Museu preso por tráfico de obras de arte! Pois é, o elevado coleccionador não era mais que um guarda de Museu que todas as noites arranjava maneira de levar uma obra para casa, devolvendo-a no dia seguinte! Daquela vez algo correu mal e ninguém acreditou que ele só levava os quadros e as esculturas emprestadas por uma noite...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

MOMENTO DE GLÓRIA!

A opção que ele decidiu tomar não era daquelas decisões que se tomam de ânimo leve, como se costuma dizer. Não era uma daquelas opções em que a meio caminho a pessoa se arrepende, volta atrás e inicia o trajecto por outro caminho. Não era uma opção que alterasse apenas algumas coisas, era uma opção de fundo, que iria mexer com tudo e com todos. Era, por assim dizer, a decisão de uma VIDA!

Mas ele sentia que tinha que tomar essa decisão, e isso só a ele dizia respeito, ninguém tinha o direito de mandar bitaites do que está «certo» ou está «errado»... Há decisões na vida em que a pessoa tem que estar sozinha!

Ele pensou muito, pensou alto, pensou baixo, gritou, chorou, riu, recuou, avançou, voltou a recuar, voltou a avançar, avançou só até meio caminho, recuou mais um bocado, avançou mais um pouco, arrependeu-se, respirou fundo... retomou o caminho... voltou para trás, foi em frente!

Ele reviu tudo o que estava para trás na sua - designada - vida, em especial os últimos anos! Os últimos anos tinham sido os fundamentais, quiçá, tinham sido os únicos que valeram verdadeiramente a pena! Optou, decidiu e foi em frente... e, afinal, teve o seu MOMENTO DE GLÓRIA: no dia seguinte foi notícia de 1.ª página dos jornais e abertura dos serviços noticiosos das rádios e das televisões!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O AUTOMÓVEL VERMELHO!

Ele ligou-lhe bem cedo. Ela acabara de sair de casa naquela manhã de temporal. O trânsito estava infernal. «Vai com cuidado», disse-lhe ele por telemóvel. «Está tudo parado, vou ter dificuldades em chegar ao trabalho», exclamou ela, «mas a Filomena vai comigo, havemos de lá chegar!»

Ele estava fora da cidade, em serviço. E naquela cidade nortenha chovia muito menos por isso ele nem tinha bem noção da quantidade de água que caía sobre o carro da namorada. «Que carro levaste?», perguntou ele. «O vermelho», respondeu ela. «Ok, fizeste bem, esse é mais seguro», anuiu ele. E acrescentou: «depois ligo-te logo à noite!». Ele retorquiu: «não te esqueças que tenho aquele jantar de colegas, se não atender é porque não ouvi à primeira!». «Ok, eu também tenho aquela reunião chata, vou despachar-me tarde!», concluiu ele.

«Está bem, agora tenho que desligar porque a água na estrada já chega quase à porta!», exclamou ela, mas ele ficou com a ideia que ela estava a brincar. Despediram-se e não conseguiram contactar o resto do dia. Ele ainda ligou à noite mas o telemóvel dela estava desligado. Não ficou preocupado, talvez ela tivesse ficado sem bateria e ainda deveria estar no tal jantar. E ele estava tão cansado depois da reunião que adormeceu mal chegou ao quarto.

No dia seguinte acordou ao som das notícias da rádio onde contavam que uma condutora fora arrastada pela força das águas e morrera. E outra ocupante da mesma viatura estava desaparecida. Um flash passou-lhe pela cabeça... mas não, o local onde aquilo aconteceu não tinha nada a ver com o percurso que a namorada costumava fazer.


Ele foi tomar o pequeno-almoço e entre uma torrada e um café pegou num dos jornais diários. E... a primeira página estava quase toda preenchida por uma fotografia com a imagem de uma grua a elevar um automóvel parcialmente desfeito de dentro de uma ribeira. O automóvel era vermelho...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O DIA DE CHUVA ERA O DIA PERFEITO!

Choveu um pouquinho mais que o normal e o país entupiu! É quase sempre assim. E sabendo disso ele mobilizou as suas forças, sorriu, palitou os dentes e foi em frente! Era o Dia Perfeito!

Os carros estavam parados nas auto-estradas e nos acessos às ditas auto-estradas, as estradas nacionais, as pontes e os viadutos nas grandes cidades estavam empanturrados de carros, os túneis estavam fechados, havia pessoas que nem conseguiam sair de casa a pé - só de barco -, alguns eram levados dentro dos seus carros pelas ribeiras abaixo sem que alguém os pudesse socorrer! Mas para ele era o Dia Perfeito!

Muitos dos transpores públicos das grandes cidades ficaram parados - as linhas férreas submergidas pelas águas, as estações de Metropolitano mais pareciam quedas de água jorrando pelas escadas abaixo, os velhos autocarros importados empanavam cheios de gente lá dentro... Mas para ele era o Dia Perfeito!

Ele previra tudo e esperara ansiosamente por um dia de muita chuva! Ele sabia que num dia assim seria possível por em prática o seu plano de há muito tempo! Já o podia ter feito dois ou três anos antes mas não tinha dado, agora sim, o cenário perfeito, era o Dia Perfeito!

E ele fez a Revolução serenamente! Tomou conta da Assembleia, das televisões, das rádios e dos jornais, tomou conta dos ministérios e das repartições, tomou conta das câmaras e das juntas, das associações, dos bombeiros, das polícias e dos militares... é que nesse dia em que o país parou por causa de uma chuvazita ninguém conseguiu impedir a Revolução Serena...

As escadas da estação do Metro de Sete Rios em Lisboa apresentava este aspecto hoje de manhã. A foto é da autoria de Carla Garrido

domingo, 17 de fevereiro de 2008

DOMINGO É DIA DE....

Há mais de 20 anos que ele não frequentava aquele sítio. Também, nunca tinha sido muito assíduo naquele tipo de ambiente, mas de vez em quando gostava de fazer uma passeata por lá. Os tempos eram outros, não havia tanta diversidade aí por fora e naqueles locais até se encontravam coisas que não era fácil encontrar noutros lados.

Agora, e depois de todos estes anos resolveu voltar, mais para ver o ambiente, que para encontrar alguma coisa. Aliás, nem ia à procura de nada em especial, apenas tinha vontade de passar por entre os toldos, de ver as pessoas que ainda faziam aquele trabalho!

Não demorou muito! Nem sequer deu a volta ao recinto todo. Entrou no princípio e saiu logo a seguir. Na bagagem acabou por trazer... um par de sapatos! Pois é, ele tinha ido a um daqueles mercados de Domingo, há um bom par de anos que não o fazia!

sábado, 16 de fevereiro de 2008

FELIZMENTE HÁ FUNERAL!

Parece que os deuses estavam todos lá em cima palitando os dentes e gozando o cenário de infortúnio que o atingia cá em baixo! Ou então era como se alguém tivesse feito um boneco de trapo à semelhança dele e espetasse o boneco com alfinetes! Ele sentia-se completamente perdido, achava que tudo lhe corria mal, que a sua vida batera no fundo...

Amores, empregos, projectos, relações com outras pessoas... tudo, tudo lhe passava pelo crivo do desaire... só uma coisa o aliviava: chorar! Mas sempre lhe incutiram que um homem não chora, por maior que seja o desgosto ou a angústia... apenas num funeral se tolera que um homem chore... mas discretamente e se possível com óculos escuros...

Nessa manhã o telefone tocou, ele atendeu e recebeu a notícia por que ansiava: alguém tinha morrido, ia haver um funeral,- Agora sim, ele já podia fazer aquilo que precisava de fazer: chorar! E pensou: «Felizmente há funeral!»

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A MÃE QUE PARTIU O BRAÇO!

Ela é mãe e é muito popular como pessoa! Fala a toda a gente e toda a gente gosta dela. Ela irradia simpatia em cada gesto e em cada palavra! Disputam-lhe pagar pequenos-almoços, dão-lhe prendinhas, mimam-na sempre que a vêem! Mesmo pessoas que ela não conhecia de lado nenhum como, por exemplo... as motoristas dos autocarros.

Pois é, ali para os lados onde ela vive os motoristas dos autocarros são quase todos mulheres. Que têm filhos, que têm pais, que têm maridos... excelentes temas de conversa para as viagens que ela gosta de fazer!

Não há vez nenhuma em que ela viaje e que na paragem da saída não dê um saltinho lá à frente para desejar um bom resto de dia e boa viagem às profissionais do volante. Ontem, algo correu mal: uma guinada maior no volante do autocarro fez com que ela se desequilibrasse e caísse! Resultado: um braço partido! O que não é nada agradável, em especial quando se tem uma certa idade e os ossos fracos! Ah, já me esquecia: esta mãe de que estou a falar é a ... minha mãe!!!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A ARANHA RESIDENTE DO CASTELO DE ALVITO!

Faz hoje 10 anos que por motivos de reportagem fui dormir a uma das pousadas mais bonitas de Portugal, no castelo de Alvito, Alentejo! O castelo fica no centro da pequena vila e à noite com as luzes indirectas ficava com um aspecto fantasmagórico. Eu e o meu colega jantámos na pousada e depois fomos dar uma volta pelas ruas desertas. Regressados ao castelo-pousada cada um foi para o seu quarto porque no dia seguinte havia muito trabalho à nossa espera!

Mas sempre tenho dificuldade em dormir em locais onde sei que já viveu e já morreu muita gente, locais de gente encantada ou... desencantada! Deitei-me na cama de dossel de papo para o ar e fiquei pensando... E olhando para o tecto alto - bem alto - descortinei uma bola preta sobressaindo do branco alvíssimo. Procurei os óculos e qual não foi o meu espanto: uma aranha enorme - mas mesmo enorme - estava discretamente acomodada entre o tecto e uma parede! Não a vi mexer-se mas percebiam-se perfeitamente as oito patas e os muitos pêlos!

Não me agradou nada a ideia de dormir com um ser daqueles por companhia! Não que não goste de dormir acompanhado... mas uma coisa de 8 patas... é muita pata para mim! Ainda por cima se fosse uma aranha fémea... lembrei-me que os aracnídeos fémeas comem os machos depois da cópula! Ainda bem que nos humanos não é assim... bom, nalguns casos se calhar até é!

Embora já fosse tarde da noite vesti-me e fui à recepção. Expus o caso e o recepcionista pegou numa pequena vassoura e subiu comigo ao quarto. Quando viu o bicharoco até ele ficou surpreendido com o tamanho da dita! Foi preciso ir buscar reforços: uma vassoura comprida, uma pá enorme e um balde! A operação de remoção da aranha levou muitos minutos. Eu sugeri que colocássemos um tabuleiro enorme por baixo da aranha, não fosse ela cair desamparada e correr para debaixo da cama, por exemplo!

Finalmente, a aranha foi placada impiedosamente, esmagada dentro do tabuleiro, varrida para a pá e depois para dentro do balde! Missão cumprida: o rapaz levou os restos mortais do monstro que ameaçava atormentar a minha noite mágica num castelo assombrado! Na manhã seguinte contei o caso ao meu colega e fartámo-nos de rir! Quem saiu a ganhar com isto tudo foi o recepcionista a quem demos uma choruda gorjeta.

Bom, o episódio já pertencia à história quando há pouco tempo um amigo meu dormiu na mesma pousada e... contou-me um episódio idêntico: uma aranha enorme, um recepcionista, uma vassoura e... uma gorjeta choruda no dia seguinte! Nunca lá voltei para confirmar se não há duas sem três... Se vocês lá quiserem ir e depois contarem-me, ide e trazei novas do Alvito!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O ASSALTO GORADO PELO TELEMÓVEL!

Já passava das 11 horas da noite quando Eduardo saiu do comboio. Estava sem carro, teria que apanhar um táxi para casa ou então fazer uma caminhada de meia-hora mais ou menos. Mas resolveu nem se certificar se havia táxis ou não, meteu-se ao caminho. A noite estava fria e ventosa mas por acaso ele até estava bem agasalhado e o ar frio a bater-lhe no nariz até lhe sabia bem.

O passo era apressado e a atenção alguma: não é que aquele trajecto fosse manhoso em termos de segurança mas quando uma pessoa caminha sozinha convém ter algum cuidado! Tinha uma boa parte da marginal para fazer, a maré estava alta e até ao longe descortinava os vultos dos flamingos que haviam adoptado a baía de há uns meses para cá!

Algumas pessoas passaram por ele, pessoas do jogging ou das caminhadas. Tudo bem, ninguém suspeito, em princípio! Embora não fossem horas para telefonemas sabia de um amigo que se deitava sempre tarde e com quem tinha umas coisas para tratar. Ligou-lhe! O outro atendeu e assim foram falando durante alguns minutos... De repente - e talvez porque fosse um pouco distraído - saltam-lhe duas pessoas ao caminho e em décimos de segundo apontam-lhe uma faca exigindo a carteira, o telemóvel e outros valores.

Eduardo quase por instinto deixa escorregar o telemóvel ligado para dentro do bolso do casaco. E com uma calma que ele nunca pensou ter começou a «negociar» com os assaltantes: que já passava há tantos anos naquele preciso local, que nunca tinha problemas, que estava pronto a ajudá-los mas que as coisas podiam ser feitas de outra maneira, que lhes podia dar algum dinheiro, etc, etc,...

Eduardo não soube quantos segundos ou minutos esteve a falar com os assaltantes mas sem que estes se apercebessem conseguiu comunicar o local exacto onde estava ao amigo que estava no outro lado da linha. Este também não foi ingénuo, ligou por outro telefone para a polícia que por acaso tinha um carro patrulha nas imediações e num curto espaço de tempo o feitiço virou-se contra os feiticeiros...

Moral da história (verdadeira!): quando se caminha por algum local pouco seguro não é má ideia ir falando com alguém ao telemóvel - além da pessoa se sentir acompanhada ainda pode tirar muita utilidade desse telefonema!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

«O CASAL DE BIMBOS ESTÁ NO 10 OU NO 28!»

Vi a cena que vou relatar há pouco em pleno Cais do Sodré em Lisboa. Três ou quatro «pintas» com surrados fatos e gravatas dos anos 70 comunicavam entre si assobiando e com algumas expressões só por eles entendíveis. Deslocavam-se de um lado para o outro em passo acelerado na zona da estação dos comboios, entre pedintes, turistas, vendedores de ocasião e... gente!

Pareceu-me que procuravam ou perseguiam alguém. Foi quando um deles gritou para os outros, com muitos gestos à mistura: «o casal de bimbos está no 10 ou no 28!» Referia-se com certeza aos números dos autocarros ou dos eléctricos e ao local de paragem dos mesmos.

Eram todos homens na casa dos 50 anos, brancos, mas de tez escura. Só faltava sentir o cheiro do tabaco para ter o quadro perfeito! Havia autocarros e eléctricos parados nas paragens e nos semáforos , e eles desapareceram por entre os veículos.

O resto da história não a posso contar porque não sei como termina... mas quer-me parecer que há poucas horas atrás alguém ficou sem carteira ou sem dinheiro em plena Lisboa numa tarde ensolarada de Inverno!

(esta história também é verdadeira)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

BENDITO ENGANO DO MÉDICO!

Sofia (nome fictício) caiu mal com o calcanhar no empedrado e ofendeu o osso, como se costuma dizer. A dor não era lancinante, a não ser quando punha o pé no chão. Não tivesse partido alguma coisa, resolveu ir ao médico de família pedir para fazer uma radiografia. Tudo bem até aqui!

Com a credencial foi até uma clínica de RX e preparou-se para tirar as meias e expor o calcanhar quando lhe disseram que o médico de família passara a credencial para um RX ao nariz. Sofia ficou estupefacta: ela não tinha nada no nariz, porque carga de água o médico lhe passara a credencial para uma zona do corpo quando ela se queixava de outra.

Tentou negociar com o radiologista mas nada feito. Este dizia que só podia fazer mesmo aquilo que estava na credencial, embora notasse que o problema da paciente era noutro local do corpo. Dizia ele que a paciente teria que voltar ao médico e pedir outra credencial passada correctamente.

Muito chateada, Sofia resolveu fazer a radiografia inscrita no documento para usar isso como prova quando fosse preencher o livro de reclamações do centro de saúde. E assim expôs o seu nariz ao RX. Levou a radiografia consigo para a apresentar no momento certo! Por curiosidade, já em casa, resolveu abrir o relatório e, qual não foi o seu espanto quando leu que no lado direito do seu nariz se estava a desenvolver um quisto de grandes dimensões, o qual teve que ser retirado com urgência!

Moral da história: o engano do médico valeu-lhe a ... Vida!!!!


(esta história é verdadeira!)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O DOUTOR TROMBALAZANAS

Ele era médico - e um excelente médico - mas era um bocado distraído, quiçá, ingénuo. Muitas vezes os amigos gozavam com ele e ele nem se apercebia. Há uns anos atrás, na altura em que se começou a activar o voice-mail dos telemóveis com uma mensagem pessoal, e perante a dificuldade do médico em mexer nas novas tecnologias, um amigo nosso ofereceu-se para lhe activar o serviço!

E então, sem o médico se aperceber, gravou-lhe a seguinte mensagem: «Daqui fala o Dr. Trombalazanas. Se tem urgência nalguma operação é favor deixar recado e indicar o local e o dia em que quer ir à faca».

A partir daí, o nosso amigo médico começou a receber muitos telefonemas onde lhe diziam que pretendiam falar com o Dr. Trombalazanas. Desconhecendo a maldade que lhe tinham feito, ele desculpava-se, dizia que devia ser engano, até que um dia, curioso, ligou de outro telemóvel para o seu próprio número e descobriu a marosca que lhe tinham pregado!

Ao contrário do que se esperava, o «Dr. Trombalazanas» não se irritou e até levou o caso para a brincadeira. A verdade é que muitos anos depois ainda é conhecido entre os amigos pelo Dr. Trombalazanas.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

EM MARROCOS SEM GPS!

No ano passado quatro amigos meus resolveram ir dar uma volta até Marrocos. Mas nada de excursões nem viagens planeadas. Foram de avião até Rabat e aí alugaram um carro e partiram em busca da cidade do clássico do cinema, Casablanca.

Mas ainda nós nos queixamos da péssima sinalização que existe em Portugal. Em Marrocos é que não havia mesmo nada, e o que havia estava escrito em árabe - bom, de vez em quando também em francês, mas tão depressa aparecia «Marrakech - 70 km», como «Marrakech - 200 km» para logo a seguir aparecer «Marrakech - 170 km».

Andaram, andaram mas nunca mais chegavam a lado nenhum. Até que resolveram pedir ajuda a um autóctone. Hesitaram interpelar as pessoas - até porque não faziam ideia de como essas pessoas iriam reagir, apesar de ser conhecida a hospitalidade marroquina - e finalmente lá encontraram um rapaz aí para os seus 14 anos que se dispôs a orientá-los.

Com um francês muito arábico lá perceberam que ele queria entrar no carro e assim mais facilmente lhes indicar o caminho correcto. E aí é que começou a grande odisseia: através de muitas palavras começadas por «al» o rapaz fê-los percorrer quilómetros e quilómetros e ao fim desse tempo todo os meus amigos ficaram com a impressão que estavam quase no mesmo lugar. Mas, pronto, tinham que confiar no «guia».

Até que - aos gritos - o rapaz os mandou parar à entrada de uma pequena aldeia. Por gestos pediu para sair e quando pôs o pé na terra batida mandou-se a correr de tal modo que os meus amigos ainda saíram mas nem ousaram segui-lo. Não valia a pena! O rapaz desapareceu por trás de umas casas de barro e só então eles perceberam que o rapaz não quis outra coisa senão que o fossem deixar em casa... É claro, Marrakech era uma miragem!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O BARATO SAI CARO... E ÀS VEZES DÁ CHATICES!

O grupo tinha vindo de carro do norte. A reunião de Lisboa começaria às 8 e meia. Eles chegaram às 8 horas! Àquela hora não era difícil arranjar estacionamento. Não era preciso procurar muito para deixar o carro num local próximo. Mas, os estacionamentos ali nas imediações eram todos a pagar.

Conferenciaram os quatro e chegaram à conclusão que não lhes apetecia estarem a pagar um euro e pouco para deixarem o carro estacionado à porta do edifício até porque encontraram um espaço descampado entre dois edifícios que não tinha parquímetros nem arrumadores. Se bem pensaram melhor o fizeram e ali deixaram o carro, num espaço de terra batida. Subiram para a reunião, tomaram café e estiveram a dialogar até por volta do meio-dia.

Quando a reunião acabou saíram apressados. Almoçariam no caminho - combinaram - pois tinham interesse em chegar a casa o mais cedo possível. Cá fora, na rua, dirigiram-se ao tal descampado de terra batida entre dois edifícios e ficaram estupefactos: haviam dezenas de carros a tapar a saída do carro deles. Tantos, que eles quase entraram em pânico. Mas depois repararam que no tablier de cada automóvel havia um papel com um número de telemóvel ou de um telefone fixo.

Inquiriram um segurança ali perto, o qual lhes explicou que naquele descampado de terra batida sempre houve o hábito de deixar o carro, em 2.ª, 3.ª, 4.ª ou 5.ª filas mas com o contactozito da pessoa exposto no tablier ou no pára-brisas!

Resultado: os telefonemas que tiveram que fazer saíram-lhes muito mais caros que o euro e pouco que teriam pago no estacionamento legal. Mas quem não sabe...

Esta história é verdadeira do princípio ao fim, ao contrário das anteriores que têm resquícios de veracidade e alguma - será que ainda há? - imaginação!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O PRIMEIRO ENSAIO!

Enviou e-mails e sms a toda a gente, fez telefonemas, gastou o saldo do cartão do telemóvel, pagou todas as contas, deu os livros que não leu e os discos que não ouviu. Mandou fora a roupa que já não vestia. Comprou todos os jornais do dia e leu as «gordas». Deu uma olhada nas televisões. Fez uma festa ao cão e saiu. Fechou a porta atrás de si. Dirigiu-se ao carro. Ficara tudo pronto para a acção desde o dia anterior.

Há muito que ele andava a magicar fazer tal acto. As complicações dos últimos dias, os desgostos de amor e os problemas da vida levaram-no a não adiar mais aquele acto de coragem. Estava decidido, não havia volta a dar-lhe. Muitas outras vezes também se preparara... e depois recuara. Mas, agora não! Era o dia, era a altura, o chamamento era mais forte do que ele.

Chegou à rua. Olhou uma última vez para trás, lembrou-se de tantos e tantos momentos bons que passara naquela casa, naquele local, tantas pessoas que tinha conhecido, tantos amores que tinha alimentado... mas nada disso agora fazia sentido.

Dirigiu-se decidido ao carro. Pô-lo a trabalhar e arrancou. Subiu a serra quase até ao ponto mais alto, ele já sabia o que ia fazer, já ali tinha estado a estudar a situação, não se enganou, dirigiu-se ao sítio certo... aquele sítio tinha a altura ideal para conseguir fazer aquilo que tinha em mente há tanto tempo.

Respirou fundo, finalmente ia executar o maior acto da sua vida. E toda a gente dizia que ele não tinha coragem, que era um fraco, um frustrado. Agora provaria quão erradas estavam essas pessoas.

Correu, acelerou, aumentou a velocidade, viu o precipício aproximar-se velozmente, era tarde para trás atrás, na sua cabeça desfilaram milhões de momentos de uma vida vivida igual a tantas outras... Lançou-se no espaço... tinha chegado o momento... os primeiros segundos foram dramáticos mas depois... abriu o paraquedas e deixou-se deslizar ao sabor do vento...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A ETERNA PROCURA DA FELICIDADE...

Conheceram-se num baile de Carnaval, daqueles bailaricos nas sociedades recreativas de uma pequena e branca aldeia. Mas não foi brincadeira a atracção que sentiram um pelo outro e essa relação duraria quase 30 anos em forma de casamento e dura ainda em forma de sentimento.

Apesar de um casamento aparentemente feliz depois de todos aqueles anos ela sentiu que a chama tinha esmorecido, que já não havia atracção de parte a parte. Entrou em pânico! Pela cabeça passaram-se muitas cenas que tudo aquilo acabaria num grande martírio e numa grande infelicidade se o casamento continuasse.

Pensou acabar com a relação. E fê-lo! E como o amor não tem idades apaixonou-se por outra pessoa pensando reviver a primeira grande paixão da sua vida que - julgava ela - se tinha esfumado...

Essa paixão durou o que tinha que durar, aquilo que as paixões geralmente duram! Acabou na altura que devia acabar, e ela ficou presa à primeira paixão, a genuína, a verdadeira, a que tinha dado frutos. Mas não voltaram um para o outro: mantêm uma excelente relação e o mais importante ainda gostam um do outro... mas amam-se mesmo muito! Mas não voltaram a viver, quis a vida que as decisões tomadas antes assim o ditassem...

E telefonam-se todas as vezes em que passa o aniversário do dia em que se conheceram no baile da aldeia, e telefonam-se todos os aniversários do casamento que os uniu durante tantos anos, e telefonam-se no dia do aniversário do divórcio que lhes separou os corpos mas não as almas... Porque se continuam a amar! E fica a lição: nem todos os que se amam - mesmo muito - ficam juntos! A vida tem destas coisas... Talvez um dia se voltem a encontrar, ele e ela e todos os casais que deviam estar lado a lado e não estão...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

PODERIA SEMPRE HAVER UM OUTRO CARNAVAL!!!

As máscaras de Carnaval escondiam os rostos mas as formas de corpos transpareciam por baixo das fantasias. Um homem e uma mulher. Uma atracção fatal entre os designados humanos ao cimo de um planeta que se concebeu chamar Terra.

Muitos seres aproveitavam a cobertura do anonimato para cometerem actos que de cara descoberta e em especial de moral em riste nunca fariam. Mas aquele homem e aquela mulher - identidades ocultadas por disfarces rudimentares - estavam possuídos de imã, com um poder maior que a atracção do pólo magnético... a mesma música, a mesma química, o mesmo cheiro... atracção irresistível!

Os seus corpos aproximaram-se e irremediavelmente tocaram-se... Agarraram-se, apertaram-se... sucumbiram... falaram sem articular palavras, olharam-se de olhos fechados...

O Carnaval acabou nessa noite! Os dois intervenientes não tiraram as máscaras, nunca mais se encontraram nem souberam nada um do outro, mas alguns meses mais tarde houve um nascimento resultante desse encontro, nascimento esse que deu origem à maior revolução no mundo dos humanos, deu origem a guerras ainda maiores do que as que tinham acontecido até aí, deu origem a desavenças, deu origem a ódios... mas também deu origem a muita... Esperança!!!

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

DE MÃOS DADAS NO AUTOCARRO...

Ela entrava no autocarro duas ou três paragens antes dele. Não se conheciam, nunca se olharam nos olhos, o acaso apenas fizera com que fossem companheiros de viagem. Viagem essa que não demorava mais de meia-hora. Ela tinha arranjado um estágio na Câmara Municipal e ele saía duas paragens antes da dela, pelo que ela não sabia qual a sua profissão.

Como viajava ao contrário da hora de ponta o autocarro levava pouca gente. Isso não impediu de uma vez ele se sentar ao lado dela, apesar de haver muitos bancos e muitos lugares vagos nas proximidades - o português não gosta muito de «incomodar» e nos transportes públicos as pessoas que vão entrando vão ocupando os bancos vagos até ser obrigatório sentar ao lado de alguém.

Ele sentou-se ao lado dela, mas não a olhou. Procurou uma das mãos dela e segurou-a... apertou-a! Ela estranhou mas também não fez qualquer gesto para retirar a mão. Assim seguiram. Mais à frente entrou um grupo de estudantes em grande algazarra. Continuaram de mãos dadas! Alguns minutos e algumas paragens depois ele chegou ao destino: retirou a mão, nem olhou para ela, levantou-se, caminhou pelo corredor e saiu...


E todos os dias se repetiu a cena: ele entrava, sentava-se ao lado dela, nem uma palavra, dava-lhe a mão e assim permaneciam todo o tempo da viagem até que ele se levantava sem qualquer despedida.

No princípio ela ficou surpreendida mas com o passar dos dias começou a achar piada à situação e esperava a cada momento uma palavra da parte dele. Embora ele aparentasse ser um bom bocado mais velho que ela não lhe desgostava a ideia de o poder conhecer melhor... além do tacto das mãos!

Assim andaram semanas. O estágio dela, entretanto, estava a chegar ao fim e na segunda-feira da última semana ela resolveu que falaria ela. Nesse dia levou a roupa com que se sentia melhor, tinha ido ao cabeleireiro e achava-se muito bonita - aliás, ela era muito bonita!

Mas na paragem habitual - e pela primeira - ele não entrou. Ela estranhou mas ainda teve esperanças que ele entrasse na paragem seguinte. Mas não, por coincidência nessa paragem entrou outro indivíduo com um jornal na mão que - por azar - se sentaria ao lado dela. Olhou-a de soslaio e ficou a ler o jornal enquanto o autocarro devorava quilómetros e paragens.


Esse indivíduo tocou à campainha na mesma paragem em que o outro estranho indivíduo saia habitualmente. Quando se levantou, deixou cair no banco uma das folhas do jornal. Ela ainda lhe fez sinal mas o indivíduo já ia porta fora. O autocarro arrancou. Ela ficou com a folha de jornal na mão e apercebeu-se que era a página da necrologia. Sem saber bem porquê os seus olhos quedaram-se numa fotografia de alguém que ela conhecia... a data do jornal era de alguns meses antes!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

A AVÓ AMÉLIA DEIXOU UM VERSO A MEIO...

A minha avó Amélia faz anos hoje. 93 anos! É uma senhora adorável e bonita, com uns cabelos ondulados que caem sobre as costas em canudos. É uma exímia contadora de histórias e tem um sentido de humor genuíno.

Foi dela e da minha outra avó que fui abençoado com a dádiva da escrita. Mas, perto delas sou um aprendiz: a minha avó Arcângela desenhava cada letra das cartas que enviava à minha mãe como se estivesse a coser um lençol de linho com fio de ouro.

Já a minha avó Amélia é especialista em rimar. São dezenas os cadernos A4 que ela já encheu de versos. Nesses versos fala de tudo, da sua vida, da vida dos filhos, dos netos, dos bisnetos, dos vizinhos, dos políticos, dos países e do mundo... E aproveita cada cantinho de cada folha de cada caderno para acrescentar sempre mais um verso. No fim de cada quadra escreve um «sim» ou um «não», conforme a satisfação com que fica da criação. Felizmente os «sins» são muito mais frequentes. Desde sempre tive a promessa de ser eu a receber esta herança. Aliás, é a única herança que quero receber. Mas já lhe disse que não a quero agora nem nos próximos tempos, só daqui a 100 anos.

Por coincidência, faz hoje 5 anos que a minha avó Amélia decidiu encetar uma viagem. Avisei-a que não era muito aconselhável, que está perigoso viajar por causa dos bombistas e dos atentados, que ela já não era a jovem que foi, esses conselhos assim! Ela não me deu ouvidos e partiu mesmo... Interrompendo o verso mais bonito que alguma vez escreveu! Mas eu sei que ela voltará... Um dia destes! Nem que seja para acabar a frase escrita que deixou a meio...

sábado, 2 de fevereiro de 2008

BOM DIA, LAGARTIXA!

Descobri que um amigo meu sempre que se deslocava ali para os lados de Tomar em trabalho, fazia um desvio pela vilazinha de Atalaia, onde ficava uns minutos. Perguntei-lhe repetidas vezes o porquê daquele desvio e ele respondeu-me sempre com um sorriso... E nunca o disse abertamente! Apenas abriu um pouquinho o véu esclarecendo que ia ali desejar bom-dia a uma pessoa muito especial! Estranhei, pois sabia que a namorada dele não vivia para aqueles lados...

Mas como toda a gente tem direito aos seus segredos, respeitei-o e nunca mais insisti para que me esclarecesse o enigma! Só que o espírito humano é dotado de uma grande curiosidade - senão não teríamos chegado onde chegámos - e não descansei enquanto não deslindei o mistério. Fiz uma maldade: um dia seguiu-o com muita discreção, reparei que ele parou o carro perto da bonita igreja da Atalaia, vi-o sair, fechar a porta e pensei que ia entrar na igreja. Mas não, até porque a porta da frente da igreja estava fechada. Ele dirigiu-se para o lado direito, passou por baixo de um pequeno arco e a minha imaginação pôs-se a funcionar a 100 à hora: agora apareceria ali uma mulher especial, quiçá vestida de branco e lhe diria numa voz melodiosa «bom-dia»! Mas não, nada disso aconteceu, de longe ouvi-o falar sozinho mas não percebi o que disse. O encontro durou poucos minutos, uns 2 ou 3 possivelmente.


De regresso ao carro, fechou a porta, colocou o cinto de segurança e arrancou. Não me viu. E em poucos segundos eu estava
na lateral onde ele tinha estado: olhei em volta e não vi ninguém, nem vestígios de que alguém ali estivesse estado, além do meu amigo. Franzi o sobrolho, já pensando que o stresse desta vida de correria tinha alterado a sensatez ao meu amigo quando vejo um pequeno bichinho - uma lagartixa assomar por debaixo da parede branca da igreja. Ali ficou especada, olhando para mim com o maior dos à-vontades... Pensei que ela fugiria quando me viu. Mas não fugiu, até saiu mais um pouco da sua toca e ali ficou a mirar-me, como se me desejasse «bom-dia». Acho que falei com ela e de certeza que ela entendeu porque fez um pequeno gesto como a dizer «vá, agora vai e faz boa viagem»...

A partir desse dia a igreja da pequena vila de Atalaia é também paragem obrigatória para mim quando me desloco ali para aqueles lados. E chova ou faça Sol lá está a minha nova amiga a espreitar e a desejar «bom-dia». Alguém que nunca me decepcionou até hoje! Ah, esquecia-me de dizer que nunca confrontei o meu amigo com a descoberta do seu segredo... É que agora este é também um segredo meu... Ou era, acabei de o partilhar convosco!



Aqui fica a foto da minha nova e fotogénica amiga!

Espero que gostem dela!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A MENINA COM VONTADE DE FAZER XIXI!

Ela entrou no comboio juntamente com uma colega. Vinham as duas carregadas de resmas de fotocópias. Quando se sentaram quase deixaram cair as ditas para cima de uma outra menina que viajava no banco em frente ao delas e que ia a falar ao telemóvel... Lá se equilibraram e sentaram-se.

Uma delas era magra, loura natural, com uma tez de pele meio rosada, o que até condizia com a camisola que vestia; carregava uma pasta que a julgar pelo esforço estaria pesadíssima e nas mãos trazia um livro bem grosso e muitas, mas muitas fotocópias. A outra menina tinha o cabelo pintado com madeixas suaves, a pele bronzeada e falava mais pausadamente. No colo pousou umas milhares de folhas A4, que se veio a saber depois serem de livros a distribuir por outros colegas que tinham faltado às aulas.


Elas estudavam Direito na Autónoma e «só por milagre» tinham apanhado aquele comboio. A menina loira queixou-se algumas vezes que ia aflitíssima para ir à casa-de-banho mas que não tivera tempo de o fazer: saiu da faculdade a correr, carregadíssima, e na estação também não havia casa-de-banho aberta. Por outro lado, mesmo que houvesse e a tivesse utilizado, teria perdido aquele comboio e àquela hora da noite teria que esperar quase uma hora pelo seguinte. Além de que perderia a companhia da colega.

E, bom, para não se lembrar da necessidade fisiológica que a atormentava lá foi falando sobre os códigos civis anotados e por anotar, e que as fotocópias que levava já eram repetidas de outras que tinha carregado noutro dia, e que isto de levar as coisas em triplicado para colegas que foram de férias mais cedo era incómodo. E coisas assim!

A colega menos faladora sairia numa das paragens seguintes. A menina loira e magra com face e camisola rosada e com calças de ganga pegou no telemóvel, marcou um número e ligou a alguém. Suplicou a esse alguém que a fosse buscar à estação porque estava carregada e aflitíssima, adivinhando uma infecção urinária a caminho... Do outro lado do éter parecia que lhe punham dificuldades, que não podiam, que o jogo ainda não tinha acabado... Ela insistiu... De nada valeu! «Que pai tão malvado», pensou quem estava próximo! Mas depois apercebeu-se que não seria o pai mas sim o namorado!

O telefonema prosseguiu e as suplicas também. Que estava mesmo aflita, que não aguentava mais, que estava cheia de dores... De nada valeu: para o namorado o jogo que estaria a ser transmitido na televisão era fundamentalmente mais importante! Foi isso que depreendeu quem estava próximo...

Hoje, esse alguém que estava próximo é o novo namorado da menina loira e bonitinha, um pouco com cara de provinciana mas com uma voz meiga. Ele estava no sítio certo à hora certa e afinal só teve que carregar com um Código Civil anotado e com umas resmas de fotocópias...